Eugênio Martini, Empresário: “Eu tenho vergonha de dizer que precisamos de mais polícia”

Eugênio Martini, Empresário: “Eu tenho vergonha de dizer que precisamos de mais polícia”

Exercer a atividade de comerciante no Centro de Vitória é uma tarefa desafiadora em vários aspectos. Dentre os desafios, boa parte dos empresários e frequentadores dessa região tradicional da capital, menciona a questão da Segurança Pública, como um fator que merece destaque.
A Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sesp), por meio do Painel de Crimes Contra o Patrimônio, aponta que em 2022, foram 182 registros de crimes envolvendo estabelecimentos comerciais, no bairro. Desse total, foram 111 ocorrências registradas de furtos e 25 de roubo.

Segundo a Sesp, os objetos mais visados pelos criminosos são os telefones celulares. Em 2022, foram 379 aparelhos roubados ou furtados, só em estabelecimentos comerciais. No total, 3.498 celulares foram roubados ou furtados nas vias do Centro de Vitória, nesse período.

O comerciante Eugênio Martini, natural de Santa Catarina, atua na região com a venda e manutenção de telefones, desde 1989, muito antes da popularização da telefonia celular. Ele comentou esse panorama preocupante e respondeu a outras perguntas relacionadas ao seu desafio de manter um comércio no Centro de Vitória por tanto anos.

Certamente, o senhor já foi vítima da ação de criminosos. Quantas vezes sua loja já foi roubada ou furtada? Consegue estimar o seu prejuízo direto?

Não consigo estimar em valores, quais foram meus prejuízos. Mas sofri mais de 40 assaltos, arrombamentos e pequenos furtos. Pelo menos 5% do meu faturamento, ao longo desses anos, foi comprometido pela criminalidade. Recentemente, tive um prejuízo de R$ 20 mil e o bandido ainda disparou uma arma duas vezes na minha direção.

Toda a ação dos bandidos foi registrada pelas dezenas de câmeras que identificaram a placa do veículo e fizeram o reconhecimento facial, facilitando a prisão e a recuperação de parte das mercadorias

Hoje, tenho mais de 120 câmeras monitorando as imediações da minha loja. Precisei transformar um dos cômodos da minha casa em uma central de vigilância.

E não vigio só o meu comércio. Costumo dizer que todo o caminho que meu filho faz para ir comprar pão, por exemplo, está monitorado. Mesmo assim, a gente não fica tranquilo.

E indiretamente, como a criminalidade afeta o comércio da região?

A criminalidade afeta muito nossa característica de comércio de rua. Os aparelhos ficavam expostos em cima do balcão. Hoje, é necessário colocá-los em vitrines trancadas.

O comum hoje em dia é que as pessoas trabalhem atrás das grades. As coisas mudaram muito nos últimos 15 anos. Perdemos essa ferramenta de atrair clientes.

Donos de lojas com produtos mais caros, dificilmente vão optar por abrir seu comércio no Centro.

De forma geral, quando se fala das deficiências da Segurança Pública, a população cobra um número maior de policiais nas ruas. O aumento do efetivo policial poderia solucionar esse problema?

Esse slogan “Mais Polícia” é um atraso para a sociedade. Isso acaba se tornando vantagem apenas para os políticos, pois representa mais verba, e mais dinheiro, o que alimenta ainda mais as inclinações e tendências culturais à corrupção.

Eu tenho vergonha de dizer que precisamos de mais polícia. Na verdade precisamos de agentes públicos capazes auxiliar a população, antes da ocorrência do crime.
Vejo na figura do Guarda Municipal o elo perdido entre a população e a sensação de segurança. Embora o caminho que esteja sendo traçado seja o de transformar o Guarda em agente policial de repressão e não o de prevenção.

A Guarda devia exercer o papel de anfitrião, mantendo contato direto com as necessidades dos cidadãos.

Vale ressaltar que esses indicadores mencionados na abertura da matéria englobam os crimes contra o patrimônio cometidos no Centro de Vitória e não incluem, por exemplo, a região do Parque Moscoso, Vila Rubim e outras regiões popularmente associadas ao Centro.

O senhor tem se mobilizado junto aos demais comerciantes, para reduzir os prejuízos causados por criminosos? Qual tem sido o retorno do poder público?

Eu tenho me preocupado mais seriamente e de forma atuante para a redução dos arrombamentos aqui no Centro, desde meados de 2015.

Recentemente, participei de mais um encontro com lideranças e comerciantes, no qual uma autoridade da área de segurança nos disse que, mesmo que um suspeito seja abordado na rua, durante a madrugada, por exemplo, e em posse das ferramentas típicas dos praticantes dessa modalidade de crime, ele nada poderia fazer, mesmo no cargo máximo da segurança estadual. E acredito que eles pouco podem fazer, mesmo depois do crime cometido.

Essa não foi a primeira vez que saí de uma reunião desse tipo com a mesma resposta e a mesma sensação de desamparo.

A que o senhor atribui o fato do Centro de Vitória, que já foi o local mais valorizado da capital, ter se tornado um bairro que representa tanta insegurança?

Isso não é um “privilégio” da cidade de Vitória ou do Centro. Várias cidades do Brasil passaram por esse problema de desvalorização. São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos.

O que difere o Centro de Vitória é que se trata de uma região de pouco mais de 1km². Por ser do tamanho de um condomínio fechado, o Centro poderia ter apenas duas entradas e ser melhor atendido pelo poder público, independente das pessoas passarem a preferir os novos bairros nobres.

O Centro tem condições de ser ajeitado e voltar a ser uma área valorizada, em muitos sentidos. Outra particularidade do Centro, e que pode ser confirmada por pessoas ligadas à construção civil, é que aqui é um dos piores lugares do Estado para se realizar obras ou reformas, por causa das dificuldades burocráticas na obtenção das licenças.

A Prefeitura devia oferecer um suporte, com profissionais arquitetos, paisagistas e historiadores, para apoiar às iniciativas de quem pretende reformar algum imóvel. Inclusive, certa vez, mandei prender um fiscal da prefeitura, que tentou me cobrar propina, para liberar a licença para realização de uma obra que fiz no meu edifício.
A burocracia é outro fator que reforça a corrupção, que por sua vez, reforça a criminalidade. É um círculo vicioso.

Qual seria a mentalidade ideal dos representantes, para a resolução dos problemas referentes ao Centro de Vitória e que, de certa forma, são problemas que afligem a população de muitas regiões metropolitanas brasileiras?

Vou citar o princípio bíblico, que diz que a semente de mostarda, mesmo sendo a menor das sementes, se torna a maior das hortaliças. Ou seja, uma cidade que tem problemas com o a quantidade e acúmulo de lixo nas ruas, precisa voltar a se preocupar com o papel de bala ou guimba de cigarros, jogados no chão. Quem não se preocupa ou não se policia nas mínimas coisas, certamente vai ter de lidar com problemas maiores, de difíceis e dispendiosas resoluções.
É o caso da segurança pública.

O que vemos são medidas paliativas e ineficazes, pois o problema já se encontra em estágio muito avançado. O ladrão é o produto da segurança pública. Se a gente se preocupar com o furto de uma rosa do jardim, a gente consegue resolver o problema do assalto.

Quando decidiu abrir seu comércio no Centro de Vitória, a realidade era muito diferente da atual?
Eu não abriria um negócio no Centro de Vitória hoje. Estou aqui porque criei raízes. Em 89, quando abri minha primeira loja, eu trabalhava com dois caixas, um para cada moeda, já que muitas vezes recebíamos em dólar.

Navios e mais navios atracavam no Porto e movimentavam de turistas o nosso comércio. Havia casas de câmbio para atender aos estrangeiros. O dinheiro circulava e era difícil encontrar um ponto de comércio disponível. Hoje em dia, alguns proprietários alugam uma loja pelo valor do condomínio para, pelo menos, se ver livre dessa despesa.

O seu segmento de atuação evoluiu muito nas últimas décadas. Como você avalia esse desenvolvimento das tecnologias de comunicação e como acha que será o futuro da telefonia celular?

O celular matou a máquina fotográfica, a máquina de escrever e está matando até o computador. Não estou muito preocupado como vai ser o futuro, mas acredito que possa evoluir para a transmissão de pensamento.

Eu jamais imaginaria, na época em que comprei meu primeiro aparelho, que as coisas seriam como hoje. Nessa época, era complicado realizar chamadas fora de casa, fazer ligações interurbanas. Meus netos vão achar estranho no futuro, ver nossas imagens falando com o aparelho de celular junto à orelha.

O smartphone de hoje, vai se tornar peça de museu, assim como os aparelhos antigos, e não tão antigos assim, que mantenho no meu acervo de colecionador.

E essa ideia da coleção surgiu quando? O que as pessoas podem encontrar, dentre as raridades do acervo?

Comecei sem pretensões de me tornar colecionador. Eu era corretor de linhas telefônicas. Para quem não sabe, antigamente, quando as linhas de telefone eram vendidas, os aparelhos pertenciam à concessionária. Com o passar do tempo, aparelhos diferentes, coloridos, com rádio ou sem fio, começaram a ser trazidos do exterior.

Esses telefones de design mais modernos, com viés decorativo, atraíam compradores e eu comecei a acumular aparelhos mais antigos numa prateleira. Hoje é uma coleção de 400 peças. É a maior coleção particular do Brasil.

Dentre as raridades, que as pessoas que agendarem visitas podem conferir de perto, está um aparelho da Ericsson, de 1892. Mas o mais antigo é um aparelho Kellog, datado de 1888, ano da abolição da escravatura. Eu precisei conseguir peças em três estados diferentes. Ele é único do Brasil. Além disso, tenho também o primeiro aparelho de celular, lançado no mundo. É um aparelho Dynatac, desenvolvido pelo engenheiro da Motorola, Martin Cooper.

Qual é sua expectativa para o futuro próximo do Centro de Vitória? Acha que as políticas públicas voltadas para essa região estão colocando o bairro na direção do progresso e do desenvolvimento ou o Centro está fadado à decadência?

Como foi dito em uma reunião da Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro), por um grande amigo advogado, morador de décadas da Rua 7, Rogério Abaurre, o “Centro precisa ser resgatado e não revitalizado”. Precisamos retomar nossa valorização imobiliária, porém precisamos de valorização humana.

Quando o poder público entender que precisa agir com rigor, não em cima dos moradores e dos comerciantes, mas das pessoas ociosas que ocupam nossas ruas, vamos voltar a nos desenvolver. O Centro é uma pedra preciosa que precisa ser lapidada e modelada para as pessoas de alto poder cultural e aquisitivo.

Eu acredito que a valorização imobiliária dos centros comerciais dos arredores de Vitória o centro será uma opção de investimento. Haverá uma sequência de demolições dando uma cara nova pra cidade. Com isso acredito que em 20 anos teremos aqui os imóveis mais valorizados da grande Vitória.

 

Carlos Mobutto | Jornalista da AZ